O Enduro tricolor ainda não acabou.



O texto original foi publicado em 13 de outubro de 2010, mas as palavras valem para o agora...

O ano era 1984.

Não. Minto. Era 1985. Digo 85, com certeza, porque foi quando Prost ganhou seu primeiro título mundial. Gostar de esportes tem essa vantagem. Ajuda a guardar as datas. 94, para citar um, o do tetra, foi o ano em que fui estudar em Juiz de Fora. Já 2002, o do penta, teve como marco a sonhada formatura aqui em Guaratinguetá. Mas é claro que nem sempre as lembranças geradas pelo campos, quadras e pistas são boas. O 1º de maio, por exemplo, depois do movimentado 94 passou a ser não apenas o aniversário da minha prima Rita, mas também a data de falecimento do grande Ayrton Senna.

No entanto, voltemos a 1985, dia exato desconhecido. Meu pai fora ao Rio para uma reunião de trabalho. Adorava as ocasiões em que meu velho ia para essas reuniões, que, para ele, deviam ser um porre, mas para mim eram sinônimo de presente. Uma pena, não aconteciam com frequência. Minha mãe é que não apreciava muito, pois geralmente ficava fora da lista dos "beneficiados". Engraçado. Depois que a gente fica velho e sai de casa, começa a sentir falta das briguinhas dos pais. Estranho, não?

E naquela noite, Dona Anna reclamou bastante. Seu Roberto trouxera um poderoso Atari 2600 de presente para o filhote. Àquela época, tudo que um guri meio nerd poderia querer em termos de diversão, mas que toda mãe desejava ver longe de seu rebento entrando em idade escolar.

E o coroa soube arrumar o problema direitinho. Em 85, o menino RJ já assistia à Fórmula 1. Conseguem imaginar então a felicidade de um pirralho de quase 6 anos ao ter a oportunidade de imitar Piquet, Lauda e companhia, a bordo do seu carrinho de Enduro? Foram horas e horas diante da TV, para desespero da matemática e dos estudos sociais.

Tu te lembras do Enduro, meu caro, amigo? Se não, era mais ou menos assim: o jogador solitário pilotava um veloz bólido durante vários cenários. O primeiro desafio era acelerar e acelerar no tempo bom. Tarefa tranquila. Com boa visibilidade, desviar dos adversários não era obra das piores. Porém, logo depois, a ousadia dava lugar à cautela. Chegava a neve e, junto, inevitáveis escapadas. Período difícil ultrapassado, surgia o entardecer. Era hora de recuperar o tempo perdido antes que a noite caísse, trazendo com ela a neblina. Por fim, o amanhecer. Ah, o amanhecer sempre era recheado de emoções. "Vai que dá", gritava ensandecido na sala o torcedor número um, enquanto o tempo se esvaía no carrinho que piscava no canto inferior esquerdo da tela.

Era um retrato da vida, repararam? Ousadia, cautela, derrota, vitória, problemas, obstáculos e incentivo. Todos substantivos que fazem parte da nossa existência, delimitados nos intermináveis dez minutos de duração de cada fase. Fases essas que servem para ilustrar, à perfeição, a campanha do Fluminense, no Campeonato Brasileiro.

Porque o Tricolor, aos trancos e barrancos, conseguiu se segurar na pista até a calada da noite. Passada então a neblina é o momento do sprint final.

Hora da contestada defesa calar a boca dos críticos.

De Mariano e Carlinhos levarem o caos aos flancos inimigos.

De Deco, o Mago, lançar com maestria seus companheiros.

De Fred e Sóbis manterem a pontaria em dia.

E, sobretudo, tal como fazia meu pai,  está na hora da torcida acreditar em seus guerreiros.

Vai que dá, Flu!