Sobre a anarquia de Caputo - Final

Tudo sobre o caso Oscar
O caso Oscar está no foco do papodebuteco.org! Em março, vimos a evolução fática do entrevero, até a decisão que determinou o restabelecimento do vínculo com o São Paulo.

No primeiro pitaco desta sequência, vimos a questão dos contrato assinados entre as partes, que serviram de base para a ação movida pelo jogador, além do resumo do que imagino ser a verdadeira história. No último pitaco, vimos a evolução do processo propriamente dito, em cada uma das instâncias, até o Habeas Corpus impetrado pelo jogador.

Veremos agora a intervenção do Ministro Caputo, que pode mudar o futebol brasileiro. O pitaco está cheio de juridiquês. Quem quiser entender, tenha fé.

Os textos anteriores são necessários para a total compreensão da história.

Habeas Corpus

O São Paulo obteve uma significativa vitória no Tribunal (2ª instância), revertendo a sentença de primeira instância e restabelecendo a vigência do contrato. Mesmo assim, a CBF não restabeleceu de pronto a inscrição de Oscar. Somente após pedido do São Paulo é que o Tribunal fez constar ordem expressa para a transferência de inscrição do jogador para o Tricolor.

Aí sim: mencionado expressamente na decisão o restabelecimento do vínculo, a CBF transferiu a inscrição imediatamente, sendo que, a partir de então, Oscar tinha plena condição de jogo – pelo São Paulo.

O Inter não se abalou, tentou negociação com o São Paulo, que não deu muita atenção.

Em seguida, o Inter foi ao Tribunal Superior do Trabalho, para suspender os efeitos da decisão que restabeleceu o vínculo de Oscar com o São Paulo. Tomou nova invertida.

O Ministro Renato de Lacerda Paiva indeferiu o pedido, dizendo não enxergar qualquer ‘aparência do bom direito’ (significa que Oscar não parece estar com a razão para justificar uma liminar). Em bom juridiquês, disse em sua decisão:

“Não obstante a relevância da matéria debatida nos autos e o fato de se tratar de profissional com carreira notoriamente promissora, não vislumbro, pelo menos neste momento processual, a aparência do bom direito e, consequentemente, a possibilidade de concessão da medida urgente buscada pelo requerente.”
O que me intrigava era a serenidade da equipe do Inter. Todos – do presidente ao técnico – diziam que Oscar não estava obrigado a jogar onde não queria (no caso, no São Paulo).

Eu achava aquele discurso um absurdo, digno de quem está embriagado de desespero (Oscar foi sacado em momento crucial na temporada).

Todos no Inter diziam ter uma carta na manga, que eu acreditava ser uma movimentação na FIFA. Não era.

A carta na manga era Caputo Bastos, Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (instância superior – ou ‘3ª instância’), e a arma era o Habeas Corpus.

Todos conhecem Habeas Corpus no âmbito criminal, para tirar sujeito da prisão.

Na verdade, Habeas Corpus é um ‘remédio constitucional’, ou seja, uma medida prevista na Constituição que visa coibir o constrangimento ilegal de ir e vir. Em um país autoritário como o nosso, muito útil.

Agora, que venham os 800 melhores juristas me explicar e não compreenderei como Oscar tinha seu ‘direito de ir e vir’ constrangido. Será que o direito de ir e vir constrangido seria o de ter que voltar para São Paulo? Seria o de ter que deixar a bela Porto Alegre?

O atentado ao direito proferido pelo Ministro Caputo baseou-se nos seguintes argumentos:

· O Habeas Corpus é aplicado a casos trabalhistas, e não somente a casos que envolvam liberdade de locomoção (prisão);

· “a obrigatoriedade da prestação de serviços a determinado empregador nos remete aos tempos de escravidão e servidão”;

· E a melhor: o jogador não está obrigado a trabalhar onde não queira.

É um pior que o outro.

Como se não bastasse, o caso se depara com outra grande obscuridade: tem umas bagaças no direito que chamam impedimento e suspeição.

Impedimento vem, obviamente, de impedido. Significa que o juiz, por algum motivo, não poderá participar do processo. Diz a lei:

Art. 134. É defeso ao juiz exercer as suas funções no processo contencioso ou voluntário:

(...)

IV - quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge ou qualquer parente seu, consangüíneo ou afim, em linha reta; ou na linha colateral até o segundo grau;

Os advogados do Oscar (e do Inter) que ajuizaram o Habeas Corpus são Victor Russomano Junior, Fabio Tomas de Souza e Mozart Victor Russomano Neto, integrantes do Russomano Advocacia.

No mesmo escritório, presta consultoria um Senhor chamado Luiz José Guimarães Falcão, que é sogro de Caputo Bastos (vejam o timbre da petição).

Constatado isso, assim que o Habeas Corpus chegou à sua mão, o Ministro deveria ter suscitado seu impedimento, em virtude de seu sogro, e outro juiz decidiria sobre o caso.

Mas não o fez, como sabemos.

Há ainda a suspeição, que é um pouco diferente do impedimento.

O termo (‘suspeição’) vem, por óbvio, de suspeita. É aplicado para o caso de haver algum fato que prejudique a imparcialidade do juiz para o julgamento isento da causa. As causas estão também previstas na lei:

Art. 135. Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando:

(...)

V - interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes.

O Ministro Caputo, antes de receber o Habeas Corpus, havia feito declarações curiosas à imprensa gaúcha, dizendo que ‘o caso Oscar precisava ser analisado com rapidez’.

Não há razão para um Ministro do TST pedir pressa para um caso que, até aquele momento, não lhe dizia respeito.

Ao que se diz, Caputo, nascido em Minas Gerais, é torcedor fanático do Flamengo. Será que ele estava intercedendo pelo futebol brasileiro? Será que ele, como admirador do futebol, queria ver Oscar de volta em ação? Estava preocupado com o desfalque nas Olimpíadas? Caso típico de suspeição.

Mas tem mais.

O Ministro ainda chamou Oscar para comparecer em seu gabinete, sozinho, para uma conversa tête-à-tête.

O procedimento é incompreensível, porque o Ministro é responsável por julgar apenas o Habeas Corpus, e não o processo principal.

Tudo isso pouco importa. O Ministro recebeu o Habeas Corpus e ofereceu ao futebol brasileiro a oportunidade de se instaurar uma anarquia.

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Imaginem só:

Dedé, monstro do Vasco, é abordado por um agente malaco, que lhe promete vantagens. Dedé assina a procuração. O agente chega no Roberto Dinamite, e diz: “Bixão, quero 30% dos direitos federativos do Dedé”. “Só pode ser brincadeira”, responde Dinamite.

Então o agente intervém: “Então aguarde”.

Dedé, devoto do agente, aciona o Vasco, dizendo que o Cruzeiro lhe ofereceu muito dinheiro, e que estar no Vasco está atrapalhando sua carreira.

Algum juiz iluminado dá uma liminar deixando Dedé livre, afinal de contas, ninguém é obrigado a trabalhar onde não quer, como nos ensinou o Ministro Caputo no caso Oscar.

A consequência é que o Dedé pague a multa rescisória, mas sua apresentação na Toca da Raposa se dá antes disso, conforme permite a decisão.

Um dia, quando a Justiça determinar o valor, o Vasco pleiteará de Dedé a multa.

Até lá, ele estará com 30 anos e seus bens estarão todos em nome dos sobrinhos. O Vasco ficará sem ver nada, conforme Ministro Caputo permitiu.

Com o segundo sucesso, Neymar faz o mesmo com o Santos, e assina com o Flamengo.

O Inter, que até agora achou bonito a historinha toda do Oscar, vê Leandro Damião fazendo igual, e assinando com o Corinthians.

É a ‘Anarquia de Caputo’.