Não se constrói uma sociedade em 140 caracteres.



Sinceramente, não sei o que é mais deprimente.

Pois se foi Felipe o autor das ofensas ao Flu, apenas comprova-se o quão são despreparados nossos jogadores de futebol no convívio com os ossos de seu ofício.
Pois se foi seu primo, temos um retrato perfeito de uma sociedade que não sabe, nem mesmo, se comunicar.

140 caracteres!

Como é que alguém pode se enrolar pra escrever apenas 140 caracteres?

No ginásio, atual ensino fundamental, tive uma professora de Português que dizia que nossas redações não deveriam ser muito grandes. E isso é lógico, quanto menos palavras, menos chances de erros.

Só que esse pouco que Dona Edilza pregava era em torno de 20, 25 linhas. Porque menos de 20 linhas, segundo ela, tornava quase impossível concatenar alguma ideia. E eu fico imaginando o que minha saudosa mestra fala a respeito do microblog da moda.

E aqui segue uma constatação. É extremamente injusto apregoar a deficiência de pensamento somente aos atletas. A pasmaceira, infelizmente, é geral. E se não acha, há certas experiências que podem fazê-lo mudar de ideia.

Primeiro, peça a um conhecido, sobretudo na faixa de 15 a 35 anos a opinião sobre um determinado tema relevante. Qualquer um. Talvez até você obtenha uma resposta. Porém, garanto, ela será acompanhada de trocentas gírias. "Brother", "caraca", "meu", aí depende da região do país onde você mora. Ou então, pior, tu serás brindado com os "estou fazendo", "estou resolvendo", "estou pretendendo". Porque que pra quem não sabe falar é melhor acompanhar a moda. E a moda diz que usar o infeliz do gerúndio resolve qualquer problema.

Só que tem mais. E a palavra escrita, onde entra? Deus do céu, dá raiva quando anualmente a gente vê nos jornais e sites aquelas coletâneas de "pérolas" do vestibular. Ora, caramba, que graça há em verificar que uma parte considerável dos futuros formadores de opinião dessa país não sabe diferenciar "laser" de "lazer"?

Assim, me digam, como é que vou cobrar dos pobres coitados jogadores de futebol, a maioria sem a mínima instrução formal, que sejam espelhos de trato com a palavra?

No entanto, confesso, não vejo a gramática como o maior adversário dessa sociedade que se acha tão esperta. Porque erros de ortografia, acentuação, morfologia ou sintaxe não refletem educação. Pelo menos não aquela que não se aprende nos bancos escolares, mas, sim, a de base. Aquela que se deveria obter na, infelizmente corrompida, sagrada família.

E, de novo, preciso tomar partido de advogado do diabo e fazer uma pequena defesa de Felipe. Ah, sim, não esqueci, são ossos do ofício. Então o correto seria mesmo que ele não se abalasse com eventuais xingamentos que receba via net ou nos estádios. Mas, como diria outra antiga professora, é claro mais do que evidente que também ninguém deveria ter o direito de ofendê-lo extracampo, tal qual ninguém deveria ter o direito de agredir jogadores em treinamentos ou em eventos sociais. Respeitar para ser respeitado, concordam?

Mas, voltando ao Twitter, reforço que não é justo detonar uma única classe pelo mau uso do que pode, realmente, funcionar como importantíssima ferramenta de aproximação entre pessoas e, no caso dos famosos, de estreitamento dos laços com seu público. Todavia, aí é que mora o problema. Já observaram o quanto de imbecilidade é postada por aqueles que, teoricamente, funcionam como exemplo?

"Hoje eu fiz a unha", "Tô no bar bebendo cerveja", "Ganhei um carro novo", "Comprei um relógio de trocentos mil", e o show de banalidades não para, além de ganhar, literalmente, fiéis seguidores.

Ah, e não pode passar em branco. A quantidade de jornalista esportivo que se acha engraçadinho e gosta de "brindar" seu leitor com respostinhas atravessadas ou piadinhas idiotas é coisa absurda. Certo, então é só atleta que não pode se irritar?

Pela última vez, não vai nesse texto nenhuma apologia ao passado ou ao pensamento retrógrado. Mas, há determinados preceitos que são básicos.

Escrever.

Falar.

Ler.

Interpretar.

E como é que construíremos uma sociedade com essas capacidades essenciais se a prendermos em meros 140 caracteres?

Será, como definiu José Saramago, o retorno à "Era do Grunhido"...

Boa terça!