Cinzas.


10, nota 10...

É um defeito, acho. Acho não, tenho certeza. É um defeito. Valorizar o passado é uma coisa. Até prega a definição de "História" ser essencial, a fim de que projetemos ou vislumbremos um futuro melhor. Porém, comigo é demais. Pra mim, é antigo, é o que há, e ponto final. Digo, parágrafo.

Mas o fato é que não gosto de viajar no Carnaval. Deixa só explicar, no meu caso "não gostar de viajar" significa não ter aquele desejo incontrolável de ir ao Nordeste, à uma cidade da Região dos Lagos ou a algum lugar do interior de Minas. E, que fique claro, não tem nada a ver com a idade. Hoje, com 31, tenho espírito carnavalesco semelhante ao da longínqua adolescência. É claro, com certas modificações, pra que não haja problemas com a "Dona Encrenca". Bom para o blogueiro é fazer um churrasquinho na casa dos pais, tomar umas cervejinhas no boteco de sempre, a partir de 2011 seria levar o sobrinho na matinê e, à noite, tomar mais outras cervejinhas assistindo ao eterno bloco passar. Ritual simples, é verdade, mas repetido com imenso prazer há quase duas décadas.

No entanto, nesse ano foi diferente. Houve, ao menos, o churrasquinho. E só. Porque os demais ingredientes de tantos carnavais, a meu modo inesquecíveis, se perderam por aí, nas curvas do tal mundo moderno. Pra começar, no sábado à tarde, arrisquei a visita ao boteco de sempre. E, confesso, foi, como de costume, legal. Bati um papo, debati a situação do Fluminense na Libertadores, olhei as mocinhas formosas que na rua passavam. Mas, sem querer, cometi um erro: perguntei ao dono do estabelecimento sobre o horário da matinê de linhas acima.

Matinê? Pasmem, segundo o chefia não haveria matinê, apenas uma discoteca, às 20 horas da segunda-feira. "Ora, meu Deus, quem é o gênio que marca um baile pra crianças às oito da noite?", indaguei sem obter resposta. "Mas e o bloco, vai ter, né?", insisti no assunto. "Mais ou menos. Como não há incentivo, ninguém quer tocar na bateria". E o que vi foram meia dúzia não de gatos pingados, mas de herois manterem viva uma tradição de tempos.

Tradição que foi substituída pelos trios elétricos e batucadas patrocinadas por novas boas geladas que, pretensamente, descem redondo. Batucadas que cobram, quando pouco, 50 reais pra que você, acredite, exerça o sagrado direito de participar da "festa do povo". Povo, a cada dia, mais e mais alijado, tratado como gado. E aqueles jovens, os muitos que estavam lá, cuja renda familiar inteira é pouco superior aos teóricos 200 reais dos quatro dias de folia, ficam de que jeito? Condenados a, desde cedo, sofrerem com a, por vezes maquiada, divisão de classes que assola o país?

Mas pra não dizer que não falamos de esporte nesse texto da ressaca, sobretudo o futebol, objetivo maior desse espaço, o universo da bola também contribuiu para meu Carnaval de desilusões. Ontem, no ônibus ao voltar pra Guará, à medida que testemunhava a Beija-Flor “papar” seu sexto título em nove anos e lia o jornalista Benjamim Back questionar, com justificada preocupação, a presença de três torcidas organizadas na elite do samba paulistano, acompanhava à derrocada do Milan frente ao inglês Tottenham. E aí, ressalte-se, nada contra o futebol da Terra da Rainha. Contudo, é triste lembrar dos domingos com a narração de Silvio Luiz e os comentários do xará Lancellotti e aturar o, agora, decadente futebol italiano.

Futebol italiano que, literalmente, expulsou de seus gramados o imperador de araque Adriano e, ao que tudo indica, o mandou de volta a sua pátria-mãe futebolística que, inexplicavelmente, lhe será outra vez gentil. Porque é angustiante observar o certo ar de condescedência com que parte dos torcedores e da imprensa trata a enésima indisciplina do ex-atleta da Roma.

Indisciplina, aliás, que passa longe de Barcelona. Mais precisamente, do Barcelona. Mais cirurgicamente, do gênio Messi. Sopro de pretérito, mais que perfeito, no meio do presente. Alívio reconfortante às agruras do escriba que, durante todo o Carnaval, pensou que tudo aquilo que sempre admirou nos campos e nas avenidas havia, quase literalmente, se transformado em cinzas. Ah, que saudade da Portela!