Do Tolima à eternidade, saiba como Tite superou fantasmas em 519 dias

A trajetória vencedora de Tite no Corinthians, Corinthians campeão da Libertadores
O cenário era o Estádio Manuel Murillo Toro, em Ibagué, na Colômbia. O rival, o inexpressivo Deportes Tolima. Os vilões, Santoya e Medina. A queda do Corinthians na fase de Pré-Libertadores, naquele fatídico 2 de fevereiro de 2011, parecia o início de uma crise sem fim e também do inevitável adeus do técnico Tite. Mas não foi assim. Tite ficou, superou os "fantasmas" do revés, uniu o grupo, conquistou o Campeonato Brasileiro e se eternizou nesta quarta-feira como o primeiro treinador a levar o time do Parque São Jorge a um título continental na história.

Da queda contra o Tolima à consagração eterna, a segunda passagem de Tite à frente do mais popular clube de São Paulo durou exatos 519 dias. Foram quase 75 semanas de choro, alegria, tensão, redenção e muita união, que culminaram na conquista do mais significativo troféu da história alvinegra: o da Libertadores. Um "carma" interminável, que mostrou nesta quarta ser só mais um obstáculo na vida corintiana.

Confira, a seguir, como foi a saga de Tite nesses 17 meses:

Queda contra o Tolima, protestos e aval da diretoria

A inesperada eliminação contra o modesto Tolima, após empate sem gols em São Paulo e derrota por 2 a 0 na Colômbia, foi só mais um dos vexames corintianos na Libertadores. Surra contra o Grêmio, queda dupla contra o Palmeiras, humilhações contra River Plate (duas vezes) e Boca Juniors... Era a manutenção da "maldição continental" da pior forma possível, um prato cheio para as gozações rivais e para a ira do torcedor, que depredou carros de jogadores, invadiu treinos, pichou muros do CT e pediu a cabeça de Tite.

Respaldado principalmente pelo então presidente Andrés Sanchez, que usou como exemplo a vitoriosa estratégia utilizada com Mano Menezes, Tite permaneceu no cargo e ganhou fôlego com a vitória contra o Palmeiras, quatro dias após a queda na Libertadores. E começou a restabelecer a confiança do elenco, que passava por período de reformulação: saíram Ronaldo, Roberto Carlos, Jucilei e Bruno César, em período que ainda teve a perda do Campeonato Paulista para o Santos.

Tite ignora novos protestos e monta elenco campeão

Com o revés, Tite se viu em nova encruzilhada, acompanhou de camarote a pressão da torcida e reencontrou apoio superior. O Corinthians entrava no Brasileiro sob nova pressão dos fãs, que voltaram a exigir a saída do treinador. Andrés bancou o homem de confiança novamente, Tite continuou, conseguiu fortalecer ainda mais o já forte elenco com Emerson e Alex, e iniciou a montagem do time que seria campeão nacional de maneira peculiar.

Com a política do "joga quem está bem", Tite abriu larga vantagem na ponta do Brasileiro, soube driblar a queda da produção no meio da competição e barrou até nomes consagrados, como o capitão Chicão e o xodó Jorge Henrique. Estrelas como Adriano e Alex ficaram no banco até conseguirem espaço, o goleiro Júlio César foi mantido mesmo com a chegada da promessa Renan e os mais esforçados eram respaldados. Assim, o grupo se uniu, jogou pelo técnico e venceu o Nacional.

Manutenção do elenco e união do grupo cada vez maior

O título brasileiro colocou Tite e o Corinthians em evidência. Com um futebol consistente, baseado principalmente no poderio defensivo e no crescimento da dupla Ralf e Paulinho, o time ganhava cada vez mais o status de melhor elenco do Brasil. Tite repetiu a política do "ninguém joga com nome" e conquistava o elenco cada vez que mantinha Adriano no banco. O desleixo acabou tirando o atacante do clube justamente antes da reta final da Copa Libertadores da América.

Até nomes que pareciam insubstituíveis no Corinthians 2011 começaram a perder espaço com más atuações. O antes intocável Liedson, artilheiro da equipe na campanha do título nacional e ídolo da torcida, não conseguia repetir as apresentações da temporada anterior e passou a conviver com o banco. O time alvinegro, com peças de reposição à altura, avançou na liderança da primeira fase do Paulista e se classificou às oitavas da Libertadores de forma invicta.

Queda contra a Ponte, lições e nascimento de novo ídolo

O Corinthians do início de 2012 parecia um time imbatível. Embalado, chegou às finais dos dois torneios que disputava com apenas uma derrota, mesmo assim quando atuou com um "mistão" de titulares e reservas contra o forte Santos de Neymar, na Vila Belmiro. Mas a equipe sofreria um duro golpe em seguida, que serviu como lição para colocar a cabeça do grupo no lugar e deixar o foco totalmente na disputa do torneio continental.

O time de Tite sucumbiu contra a surpreendente Ponte Preta - apenas a oitava colocada na primeira fase do Paulista - após derrota por 3 a 2 diante de um lotado Pacaembu, em tarde infeliz do goleiro Júlio César. Responsável direto por dois dos três gols campineiros, o também antes insubstituível camisa 1 foi ao banco de reservas e não voltou mais. Tudo porque surgiu aquele que viraria em pouco tempo um novo ídolo: o goleiro Cássio.

Redenção nas finais, quebra de tabus e fim da maldição

Cássio foi apenas mais uma das escolhas certas de Tite no Corinthians. E correspondeu já nas oitavas de final da Libertadores, quando fechou a meta contra o Emelec nas duas partidas e classificou o Corinthians sem sequer ser vazado. E o goleiro repetiu o feito nas quartas, contra o Vasco, de novo sem levar gols. O momento símbolo da campanha foi, sem dúvidas, a defesa em lance que Diego Souza correu totalmente livre e parou nas mãos dele.

Na semifinal contra o Santos de Neymar, o Corinthians de Tite espantou o Brasil ao arrancar triunfo por 1 a 0 em plena Vila Belmiro incendiada. O forte esquema tático do treinador anulou o astro da camisa 11 de novo na volta, no Pacaembu, em jogo que culminou no primeiro gol sofrido da equipe no mata-mata da Libertadores. Sofreu outro tento contra o Boca Juniors na ida, mas a estrela de Tite brilhou de novo quando Romarinho - aposta do técnico para o segundo tempo - entrou e igualou a fatura.

E, nesta quarta, o Corinthians de Tite ganhou do Boca Juniors, com dois gols de Emerson. Confirmou um título indiscutível, invicto, como há 34 anos não ocorria em uma Libertadores e tendo sofrido apenas quatro, a melhor média de todos os tempos no torneio. O fim de uma saga com altos e baixos, que culminou na glória alvinegra. Que viva para sempre, Tite. Ao menos no coração e imaginário corintiano.