O mito do Aranha

Invicto no UFC. Definitivamente o maior lutador peso por peso da história do MMA. Rápido, ágil, frio, preciso, perfeito. Há muitos outros adjetivos capazes de descrever Anderson Silva, "The Spider". Aos 37 anos, o Aranha consolida sua condição de ídolo nacional após vencer o duelo que parou Brasil e Estados Unidos. Em jogo? O orgulho.

Até a sua última luta eram 14 vitórias seguidas com direito a 9 defesas de cinturão. No cartel, 9 nocautes, 3 finalizações, 2 vitórias por decisão unânime. Impecável. Esse é o cartão de visitas de Anderson Silva. Nem mesmo tal currículo foi capaz de impedir Chael Sonnen de destilar ácidas declarações contra Spider, sua família, e, sobretudo, o Brasil.

No evento UFC 117, em agosto de 2010, Sonnen chegou perto de quebrar a hegemonia de Spider. Foram 4 rounds e meio de luta no chão, Sonnen em cima, batendo, batendo e batendo enquanto Anderson Silva se defendia como dava. Até que encaixou um triângulo no final da luta e ganhou. Coisa de filme mesmo. O camarada apanhou, apanhou e no final foi e venceu com um golpe extremamente técnico e preciso.

Detalhe: o Aranha lutou com uma lesão na costela. E Sonnen caiu no anti-doping que acusou elevado índice de testosterona em seu corpo. Ou seja, Anderson não estava 100%, provavelmente Sonnen se apresentava acima do seu limite e nem assim conseguiu vencer. Pior, tampouco a humilhante derrota pôde ensinar Chael a ser minimamente humilde em suas palavras.

Não importa se o que Sonnen disse reflete seus reais pensamentos. Sequer dá para ter absoluta certeza de que o jogo de provocações acima do tolerável não foi fruto do marketing sobre a marca UFC. Fato é que a forma escolhida para promoção desta a luta ultrapassou todos os limites. A intimação pública entre os lutadores é aceitável. Taí o TUF BR que não me deixa mentir. A troca de farpas entre Wanderlei Silva e Vitor Belfort, ao meu ver, jamais descambou para ofensas gratuitas.

Aí um caboclo que foi finalizado no momento mais crítico de uma luta bate no peito e se diz melhor que o campeão só por ter dominado a maior parte do combate é de chorar de rir. Desmerecer todos os feitos de Anderson Silva, ofender sua família e fazer críticas pesadas ao Brasil fizeram a alegria de Dana White. Sim, os brasileiros compraram a briga e o pay-per-view. Agora é pessoal.

Só que a expressão "Luta do Século" está cada vez mais banalizada quando se trata de Anderson Silva. Foi assim ano passado contra Vitor Belfort. Um chute resolveu a parada. Sem susto, sem emoção. O nível que Spider alcançou - mesmo com idade relativamente alta - é insano.

Disposto a mudar o curso da história, Sonnen teve 5 minutos de fama. Levou a luta para o chão, tentou imobilizar Anderson buscou surrar o campeão mas esbarrou na frieza e consistência de sua defesa.

Já no segundo round, o vacilo no primeiro não se repetiria. Embora Sonnen buscasse a todo tempo derrubar Anderson, inexplicavelmente Spider recuava. Não só queria a luta em pé como nem se preocupava em subir a guarda.

Prestando bem atenção é como se Anderson Silva estivesse pouco se lixando se seria atingido. A confiança em sua apurada esquiva o permitia ficar atento somente nas tentativas de queda. Dito e feito. Sonnen caiu na armadilha.

Do nada, Sonnen arrisca uma cotovelada giratória (especialistas, há um nome técnico para isso?!) para esquiva perfeita de Spider. Abaixou o corpo e, numa fração de segundo, teve um tiquinho de sorte. Sonnen perde o equilíbrio e cai a polegadas de distância do mito. O Aranha se aproxima e desfere uma joelhada. Começa o castigo do campeão.

Sonnen tenta se defender e logo cai novamente. E tome surra. Cada soco desferido por Spider era dado com gosto, falando por toda uma nação apaixonada e ridicularizada perante o mundo. Não houve quem não se imaginou ali, na pessoa de Anderson Silva, dando uma lição de respeito. Logo o sabor da vingança seria saboreado. Nocaute, fim de luta e orgulho restabelecido. Quem falar do Brasil já sabe o que vai ter.

Com o microfone em mãos, Spider deu outra surra em Chael, visivelmente humilhado e constrangido. Pediu aplausos para o norte-americano, botou panos quentes em todas as asneiras ditas e convidou Sonnen para um churrasco. Não era bem isso que os brasileiros queriam. Spider poderia ter repetido a má noite em que esnobou de Demian Maia e ter tirado uma com a cara de Sonnen. Mas tudo bem. O nocaute já estava de bom tamanho.

Sei lá quantas lutas mais Anderson Silva fará. Suponho que mais uma ou duas para encerrar sua carreira no auge e ostentar para sempre a condição de mito. No entanto, depois desse duelo, muito mais do que ter orgulho em ser brasileiro, definitivamente recebemos Anderson "The Spider" Silva em nosso rol de atletas amados incondicionalmente.